domingo, 28 de fevereiro de 2010

Correntes d’Escritas: homenagem e prémios no encerramento da Festa da Literatura

Família Correntes d’Escritas num “Até já”

Infopóvoa / Póvoa de Varzim

Terminou o Correntes d’Escritas, com uma homenagem a Rosa Lobato de Faria e a entrega dos três prémios literários.
A voz desta grande escritora ecoou pelo Auditório Municipal enquanto na tela se projectavam imagens da mulher que se esforçava “por cumprir como mulher, como mãe, como avó, enfim o que quiserem de mim”. Dizia escrever por impulso e sem nunca se importar com o que os outros pensavam dela. “Um livro é um círculo que se fecha”, ouviu-se ela dizer a certa altura, “sou mais escritora do que qualquer outra coisa”, definiu-se. “Embora o tempo vá passando, uma paixão é eterna, não se compadece com essa insignificância que é a morte”.
Luís Diamantino, Vereador do Pelouro da Cultura, explicou que “a organização quis com muito sentimento recordar alguém que passou aqui no Correntes d’Escritas. Infelizmente, já alguns amigos nossos têm partido mas continuam connosco”. Recordou que Rosa Lobato de Faria esteve na Póvoa em Dezembro de 2008, para apresentar As Esquinas do Tempo e falou dos seus projectos para o futuro. “O futuro reserva-nos surpresas que não conseguimos aguentar. Esta foi uma delas. Contou-me o Manuel Rui que quando soube da sua morte chorou muito. Penso que choramos todos, quanto mais não seja por dentro”. “Tenho um qualificativo para ela. Rosa Lobato de Faria era uma grande senhora”.

Homenagem a Rosa Lobato de Faria

Manuel Valente, da Porto Editora, editor que Rosa Lobato de Faria sempre acompanhou, leu uma emocionada carta à “Rosinha, como todos te chamávamos”. “Se pensaste que escapavas a esta edição do Correntes d’Escritas enganaste-te redondamente. A gente da Cultura tem memória. E como tem memória não se podia esquecer de ti”. E na Póvoa esteve ela de novo, evocada “para poderes contemplar o azul do mar e falar aos amigos do romance que estavas a escrever”. “Estamos aqui contigo. A noite cai lá fora e como dizia o Nobre as Lanchas dos Poveiros talvez estejam a sair a barra entre ondas e gaivotas. Dizemos-te adeus e como adolescentes tropeçamos de ternura por ti. Esta é do O´Neill, tu sabes. Como falar de ti se não for através da poesia?”
E pela voz de Aurelino Costa, poemas de Rosa Lobato de Faria emocionaram. Foram eles “Quem me quiser” e um outro inédito.
A homenagem deu lugar à entrega de prémios, o último acto desta grande Festa da Literatura que é o Correntes d’Escritas. Recordando que ao longo destes 11 anos mais de três centenas e escritores já passaram pelo Encontro, Luís Diamantino agradeceu a “muita vontade, a muita boa vontade dos participantes e do público, público que não nos faltou”. Os elogios também não, “vieram ter comigo e disseram que isto é único. São pessoas que gostam de livros, que gostam de literatura. Tem sido muito importante contar convosco. Temos pessoas que vieram do Brasil só para assistir ao Correntes, de Braga, de Aveiro, algumas pessoas tiram férias de propósito”. Pessoas raras, “mas precisamos de pessoas assim, que gostem de livros a este ponto”.
Agradeceu aos patrocinadores, o Casino da Póvoa, a Norprint, a BMCar, o Axis Vermar e ao ateliê Henrique Cayatte Design, lembrou os apoios da Porto Editora, da Papelaria Locus, do Instituto Cervantes, da Embaixada do Uruguai e do México, e os parceiros Booktailors, revista LER, Jornal de Letras, Universidade do Porto, Cineclube Octopus e Varazim Teatro. “Nós temos é que acreditar nas coisas que fazemos. E quando acreditamos, temos que escavar. Temos que procurar e temos que conseguir. E conseguimos, claro, graças a todas as estas entidades que nos ajudaram”.

Prémio Literário Correntes d’Escritas/Papelaria Locus


Paulo Gonçalves, da Porto Editora, entregou o Prémio Conto Infantil Ilustrado Correntes d’Escritas/Porto Editora, instituído com o objectivo de, explicou, “incentivar os alunos a partilharem o gosto por contar histórias”. Alunos e professora do 4ª ano do jardim-escola João de Deus subiram a palco para receber o 1ª prémio por A Casa Misteriosa, no valor de mil euros. Este galardão premiou ainda, com o 2º lugar e €500, os alunos do 4º B da EB 1 de Ferreiros, Baguim do Monte, com Contou-me o meu avô, e ainda os alunos do 4º ano, TO2 da EB1 Monte, de Touguinhó, que com João Ratinho à procura de casa alcançaram o 3º lugar e um prémio de €250. Foram ainda atribuídas menções honrosas aos alunos do 4º ano da Secção Portuguesa da Escola Europeia do Luxemburgo, exclusivamente pela ilustração de Miguelras em busca de amigos, e aos alunos do 4º ano AL4, da EB1 / JI de Arcozelo, Santo Tirso, exclusivamente pelo texto de Um anjo diferente. Todos estes trabalhos vão ser editados em livro pela Porto Editora.
Depois, Alfredo Costa, da Papelaria Locus, entregou a Miguel Rocha de Pinho o Prémio Literário Correntes d’Escritas/Papelaria Locus, no valor de mil euros. O jovem, de 18 anos, confessou que se sentiu surpreendido com o impacto que o seu conto, “A História do Velho Entristecido com a Vida” causou no júri. “É um texto que questiona e faz questionar”, explicou. Com o seu texto, que conta a história de um velho que não fez nada para aproveitar a vida. “É necessário trabalho, iniciativa, para as coisas acontecerem”, defendeu.
Por último, foi entregue o Prémio Literário Casino da Póvoa, no valor de 20 mil euros, atribuído a Maria Velho da Costa, por Myra. A escritora não pode estar presente, devido ao mau tempo que impediu a circulação de comboios entre Lisboa e Porto. Em seu nome, António Costa da Assírio & Alvim recebeu o prémio, simbolizado numa Lancha Poveira que, explicou Luís Diamantino, é o símbolo da coragem dos pescadores poveiros, que remete, por isso, “para a coragem dos escritores de lutar através da escrita”. “Ela ficou surpreendida quando soube”, disse o editor. “As outras obras a concurso eram boas e quando se ganha um prémio concorrendo com obras de grande qualidade tanto mais relevo esse prémio tem”.
O Correntes d’Escritas segue agora para Lisboa, onde a 1 de Março, decorre uma 10ª mesa de debate, no Instituto Cervantes. Revisite o evento em
www.cm-pvarzim.pt/go/correntesdescritas

Com “pedacinhos do Universo” terminaram as mesas do Correntes

Infopóvoa / Póvoa de Varzim
“Cada palavra é um pedaço do Universo” foi o tema da 9ª e última mesa de debate do Correntes que decorreu esta tarde e contou com a participação de Mário Zambujal, Milton Fornaro, Onésimo Teotónio de Almeida, Ricardo Menéndez Salmón e Rui Zink e moderação de Maria Flor Pedroso.

Sobre o tema, que considera bastante interessante e aberto, Mário Zambujal referiu que “tudo o que existe no Universo, o Homem atribui-lhe uma palavra, um nome”. Mas “o Homem compreende que não sabe as palavras todas, inclusivamente aquelas que criou”, acrescentou o escritor e jornalista que afirmou que “o Homem inventou uma palavra fantástica - ‘coisa’ – que quer dizer tudo e não quer dizer nada” e surge como “grande substituto da nossa preguiça de ir à palavra exacta ou de não a conhecermos”. No entanto, “quando se passa à palavra escrita a ‘coisa’ rareia” disse Mário Zambujal que pensa que não é muito apropriado ao escutar escrever coisa. Assumindo-se como “um velho jornalista que conta histórias”, Mário Zambujal considera que “um livro é um acto de comunicação” e como tal a linguagem “quer-se muito clara e simples” para que as pessoas a entendam e a comunicação chegue. “Os leitores dependem das suas próprias capacidades de entendimento, não são todos iguais” esclareceu o escritor referindo-se à diversidade da literatura e dos gostos, “a maneira de gostar de um livro é diversa”. Para Mário Zambujal, a palavra ‘escritor’ é um rótulo, preferindo o termo ‘autor’ pois este sim corresponde a algo que se fez.


Milton Fornaro abordou o tema a partir de uma passagem do primeiro livro da Bíblia, Génesis, para lembrar como o criador fez o mundo, Deus disse e depois fez-se, ou seja, a palavra antecede a acção, primeiro nomeia e depois cria. Interpretando “Cada palavra é um pedaço do Universo” segundo a tradição cristã, “a palavra é o princípio a partir do qual se constrói o Universo”, referiu o escritor que nos define como “animais da linguagem”. ‘As palavras, sempre as palavras’ citou Milton Fornaro a provar que não há outra possibilidade para o poeta pois “o homem pode condenar-se ao silêncio mas o poeta não pode porque está condenado às palavras”. Para Milton Fornaro, os escritores estão comprometidos com as palavras (apalavram-se) e não existe possibilidade de escrever sem estar comprometido, “apalavramos porque o mundo, tal e qual, não nos convence” e “são as palavras que nos permitem recuperar o perdido”, afirmou dedicando a sua intervenção em “homenagem a todos os leitores de livros”.
“A última mesa faz todo o sentido que seja uma missa”, gracejou Rui Zink pois à semelhança de Milton Fornaro também recorreu à passagem dos Génesis para iniciar a sua intervenção, “No princípio não é o verbo, é o grito, é o berro”. Reflectindo sobre a condição humana, o escritor estabeleceu um paralelo entre os bebés e Adão e Eva antes de comerem a maçã do pecado, “eram felizes, depois vêm as chatices”, referindo-se à não correspondência entre aquilo que se quer e o que é dado, “caímos em desgraça quando percebem que a qualidade do serviço não é a melhor”. Mantendo sempre o paralelismo entre a aprendizagem da língua pelos bebés, Rui Zink citou o evolução “descobrimos que comunicar com aquela gente é impossível. O berro é simpático mas não ajuda” e então “começamos a descobrir que diferenciar os sons é capaz de resultar” e, “com esforço, sacrifício e paciência, o nosso vocabulário vai-se expandindo a uma velocidade estonteante”. O escritor continua dizendo “Certo, nem sempre conseguimos o que queremos. Mas o Universo à nossa volta vai ganhando cada vez mais diversidade”. “O Universo torna-se mais prático e maleável devido às palavras. Existem palavras para tudo, até para as coisas que não existem” constatou Rui Zink para quem a literatura é a única arte que usa a fala e a escrita, a audição e a visão. “A palavra cria o Universo sim. Antes havia o verbo não. Antes há o berro.” prosseguiu o escritor para quem “só quando dizemos as coisas, as coisas ganham sentido para nós”. Sobre a diversidade das palavras, o escritor mencionou que “há palavras para matar e palavras para salvar. Todos os dias podemos criar e descriar o Universo.”. “O maravilhoso na palavra é que podemos não dizer nada porque o próprio silêncio é, por sinal, uma palavra bem bonita”, concluiu Rui Zink.
Para Ricardo Menéndez Salmón, “Cada palavra é um pedaço do Universo” é um tema que, em termos lógicos, esconde uma tautologia e sobre o qual não lhe ocorre nada. Discursando em torno do “nada”, o escritor afirmou que muita gente passa pela vida sem dizer nada, sem fazer nada e “se vive como se respira, de modo mecânico”. “Há dias em que acontece nada”, “Quando me sento a escrever, rodeia-me nada” e ó ‘nada’ que devolve o olhar ao escritor, continuou Ricardo Menéndez Salmón para quem “o artista é um resistente porque o seu motor criativo é doente, é inútil, é um corpo preguiçoso, numa sociedade que se quer saudável”. “Cada vez que concluo um livro, fico seduzido pelo nada e deixo-me ficar durante meses” revelou o escritor referindo que “a única palavra que pode definir o nosso trabalho é nada”.
Com o seu característico sentido de humor, Onésimo Teotónio de Almeida findou as intervenções da mesa com “pedacinhos do Universo” não fossem as suas palavras virarem moscas e chatear muito. O escritor considera que palavras é o que mais há, “Todos falam, mas ninguém ouve.”, referindo que “Há para aí palavras a mais no mercado e ideias a menos”. A este propósito, divulgou que publicou recentemente um livro de ideias, com poucas palavras, recorrendo à navalha de barbear para cortar palavras a mais, brincou.

“Os motes das mesas são autênticos abacaxis que custam a descascar”

Infopóvoa / Póvoa de Varzim
“Duvido, portanto penso”, verso de Fernando Pessoa, causou, a avaliar pelos testemunhos dos intervenientes na 8ª mesa de debate, muitas horas perdidas a…pensar. A “estranheza” dos temas é marca do Correntes d’Escritas, os diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema um dos “fenómenos” curiosos do Encontro Literário.
Em vez de “Duvido, portanto penso” João Paulo Sousa leu, quando lhe foi comunicado o tema do debate, “Duvido, portanto escrevo”. A preposição pareceu-lhe correcta, “significava que a dúvida podia ser apresentada como motor da escrita, representava também uma evidente aproximação às minhas preocupações sobre o meu processo de construção literária”. Para o ensaísta português, a dúvida é instituída como princípio de elaboração do texto. “O meu ponto de partida é a situação em que as personagens se encontram, de conflito ou de tensão, o que também permite imaginar uma ou outra possibilidade. Eu sei onde tudo principia e onde tudo pode acabar. Mas ignoro como lá chegar e, pior ainda, nem sei se lá chegarei”. As escolhas marcam o processo de criação literária, há “uma proliferação de caminhos”, mas o escritor não se pode libertar delas dado que tem que decidir “qual a possibilidade que tem que apresentar em primeiro lugar, em segundo, e assim sucessivamente”. Salto no escuro, “porque nunca é possível saber com exactidão qual é a melhor escolha”. A escrita é “contingente”, as escolhas vão-se reduzindo à medida “que as palavras aumentam”. Há uma “asfixia da dúvida, porque se reduzem as escolhas possíveis” que podem levar ao concluir da obra.
Vítor Burity da Silva, leu uma dissertação sobre o tema, ou como resumiu o moderador José Mário Silva, apresentou um texto literário “sobre a dúvida como estado de emergência poética”. “O preâmbulo da dúvida como metástase da existência”, iniciou o escritor angolano, “este beco de subtilezas anacrónicas no rastilho de palavras inócuas que me percorrem o silêncio, virando-me às avessas, contra mim mesmo. Sem questionar-me sobre quem fui, indo, duvidando de mim próprio nestas lestas e parcas províncias do raciocínio que me deitam num mar de dúvidas sobre verdades sem sentido nenhum”.
“Os motes das mesas são autênticos abacaxis que custam a descascar. Já me tinham avisado”. Assim confessou Paulo Moreiras das dúvidas com que foi assaltado acerca do tema. “As dúvidas eram muitas e múltiplas as abordagens que poderia desenvolver, mas estava sem ideias”. Essas surgiram quando leu, há cerca de 15 dias, no suplemento Y um texto de Luís Francisco sobre o sexo na literatura portuguesa e, no mesmo suplemento, um texto de Isabel Coutinho sobre o escritor Juan José Millás onde este diz “gosto muito de tudo aquilo que é capaz de causar estranheza”. Pouco disto parece ter a ver com o tema, mas, disse o romancista e poeta moçambicano, “as dúvidas surgem sempre de onde menos se espera”. E de facto, ao ler estes dois textos lembrou-se um conjunto de dúvidas que teve quando andou a pesquisar para o seu recente romance Os Dias de Saturno, sobre os últimos dias de Domingos Rodrigues, cozinheiro do Rei D. Pedro II e autor do primeiro livro de cozinha publicado em Portugal em 1680, Arte de Cozinha. Paulo Moreiras teve que pesquisar um vasto conjunto de livros de culinária e receituários e deparou-se com a peculiaridade de algumas expressões usadas na culinária portuguesa, “onde se notava um forte pendor erótico, por vezes explicito, por vezes dissimulado, e questionava-me sobre o que queria dizer na realidade”. As palavras “nem sempre querem dizer o que realmente dizem” e, para exemplificar, enumerou vários exemplos que abundam na nossa doçaria, e que uma vez mais encheram o Auditório de gargalhadas. É característica portuguesa “gostar de dizer as coisas sem muitas vezes as nomear em concreto. A língua portuguesa é muito traiçoeira e permite muitas leituras”. Considerando que pouco a ver com o tema teve a sua intervenção, Paulo Moreiras defendeu-se dizendo que “não consegui deixar de pensar nas dúvidas que tais leituras me provocaram, pois a cozinha nunca esteve muito longe da cama”. Lourenço Pereira Coutinho falou de dúvida e de pensamento. “A dúvida, e não falo da mesquinha nem da que resulta em desconfiança, mas sim da que dúvida que nos leva a interrogar, a pensar, a descobrir, é simultaneamente sinónimo da incessante busca humana do conhecimento e também a constante demonstração perfeita da imperfeição da espécie”. Sempre presente “em todos os momentos da nossa caminhada” a dúvida é “entranhadamente nossa”.


“Hoje continua a ser prova da nossa insaciável curiosidade, da incapacidade de aceitar o que escapa à impossibilidade de demonstração”. Sobre o pensamento, considera que é o pensar “que nos faz profundamente livres, profundamente humanos. Pensar porque se duvida, duvidar e pensar. Por isso, escrever. Escrever para exteriorizar afectos, inquietações, medos, raivas e alegrias. Como acto de profunda liberdade que se renova a casa frase, cada palavra”. Mas Lourenço Pereira Coutinho sente-se à vontade com a dúvida. “Felizmente, sei que nunca encontrarei resposta para as minhas dúvidas que não deixam de me desinquietar, de obrigar a pensar e assim perceber o quanto sou humano e o quanto preciso de escrever”.
Não era suposto Sérgio Luís de Carvalho estar nesta 8ª mesa de debate, mas sim na 7ª. Trocou com Pedro Pinto, a pedido deste último. A comunicação, já a tinha preparado sobre o tema da mesa em que ia participar inicialmente. “As palavras cercam-nos como um muro”. Assumiu, com humor, que não se preparou com este tema, “afinal tudo é muito parecido”, gracejou. Contou histórias que fizeram rir a audiência, como a de D. Ermelinda que, há muito anos, aprendeu, em Angola um dialecto local. Veio para Portugal mas nunca encontrou ninguém com quem falar aquele dialecto. Por isso, explicou o escritor, “às vezes fala-o comigo e com a minha mulher, mesmo sabendo que nós não compreendemos. Ela prefere a incompreensão ao silêncio”. Mas, como fez ver, estamos “aparentemente” numa sociedade que privilegia o silêncio, a avaliar pelos inúmeros provérbios que isso defendem: ‘As palavras são de prata mas o silêncio é de ouro’, ‘uma imagem vale mais que mil palavras’, entre muitos outros. Mas não é bem assim, explicou o escritor lisboeta, lembrando, por exemplo, os silêncios incómodos, aqueles que nos encontram quando partilhamos um elevador com alguém desconhecido. E, continuou ele, a nossa sociedade não privilegia o silêncio porque todos têm opinião sobre algo e, acrescentou ele, nem nos minutos de silêncio, por exemplo nos estádios de futebol, as pessoas conseguem estar em silêncio, optando por bater palmas. “Frequentemente, o que nos fazemos é o oposto daquilo que esta mesa sugere. Reparem, se dissermos ‘duvido porque penso’ ou ‘penso, logo duvido’, tendencialmente isto encaminhar-nos-ia para o silêncio. E não é isto que sucede. Tendencialmente, o que nós fazemos, é dar opiniões”. Mas deixou uma última ideia. “Eu não quero que encarem estas minhas palavras como se eu estivesse a sobrevalorizar o silêncio e a menosprezar as palavras. Se assim fosse tinha escolhido o ofício errado. Há palavras e palavras, há silêncios e silêncios”.