domingo, 28 de fevereiro de 2010

Correntes d’Escritas: homenagem e prémios no encerramento da Festa da Literatura

Família Correntes d’Escritas num “Até já”

Infopóvoa / Póvoa de Varzim

Terminou o Correntes d’Escritas, com uma homenagem a Rosa Lobato de Faria e a entrega dos três prémios literários.
A voz desta grande escritora ecoou pelo Auditório Municipal enquanto na tela se projectavam imagens da mulher que se esforçava “por cumprir como mulher, como mãe, como avó, enfim o que quiserem de mim”. Dizia escrever por impulso e sem nunca se importar com o que os outros pensavam dela. “Um livro é um círculo que se fecha”, ouviu-se ela dizer a certa altura, “sou mais escritora do que qualquer outra coisa”, definiu-se. “Embora o tempo vá passando, uma paixão é eterna, não se compadece com essa insignificância que é a morte”.
Luís Diamantino, Vereador do Pelouro da Cultura, explicou que “a organização quis com muito sentimento recordar alguém que passou aqui no Correntes d’Escritas. Infelizmente, já alguns amigos nossos têm partido mas continuam connosco”. Recordou que Rosa Lobato de Faria esteve na Póvoa em Dezembro de 2008, para apresentar As Esquinas do Tempo e falou dos seus projectos para o futuro. “O futuro reserva-nos surpresas que não conseguimos aguentar. Esta foi uma delas. Contou-me o Manuel Rui que quando soube da sua morte chorou muito. Penso que choramos todos, quanto mais não seja por dentro”. “Tenho um qualificativo para ela. Rosa Lobato de Faria era uma grande senhora”.

Homenagem a Rosa Lobato de Faria

Manuel Valente, da Porto Editora, editor que Rosa Lobato de Faria sempre acompanhou, leu uma emocionada carta à “Rosinha, como todos te chamávamos”. “Se pensaste que escapavas a esta edição do Correntes d’Escritas enganaste-te redondamente. A gente da Cultura tem memória. E como tem memória não se podia esquecer de ti”. E na Póvoa esteve ela de novo, evocada “para poderes contemplar o azul do mar e falar aos amigos do romance que estavas a escrever”. “Estamos aqui contigo. A noite cai lá fora e como dizia o Nobre as Lanchas dos Poveiros talvez estejam a sair a barra entre ondas e gaivotas. Dizemos-te adeus e como adolescentes tropeçamos de ternura por ti. Esta é do O´Neill, tu sabes. Como falar de ti se não for através da poesia?”
E pela voz de Aurelino Costa, poemas de Rosa Lobato de Faria emocionaram. Foram eles “Quem me quiser” e um outro inédito.
A homenagem deu lugar à entrega de prémios, o último acto desta grande Festa da Literatura que é o Correntes d’Escritas. Recordando que ao longo destes 11 anos mais de três centenas e escritores já passaram pelo Encontro, Luís Diamantino agradeceu a “muita vontade, a muita boa vontade dos participantes e do público, público que não nos faltou”. Os elogios também não, “vieram ter comigo e disseram que isto é único. São pessoas que gostam de livros, que gostam de literatura. Tem sido muito importante contar convosco. Temos pessoas que vieram do Brasil só para assistir ao Correntes, de Braga, de Aveiro, algumas pessoas tiram férias de propósito”. Pessoas raras, “mas precisamos de pessoas assim, que gostem de livros a este ponto”.
Agradeceu aos patrocinadores, o Casino da Póvoa, a Norprint, a BMCar, o Axis Vermar e ao ateliê Henrique Cayatte Design, lembrou os apoios da Porto Editora, da Papelaria Locus, do Instituto Cervantes, da Embaixada do Uruguai e do México, e os parceiros Booktailors, revista LER, Jornal de Letras, Universidade do Porto, Cineclube Octopus e Varazim Teatro. “Nós temos é que acreditar nas coisas que fazemos. E quando acreditamos, temos que escavar. Temos que procurar e temos que conseguir. E conseguimos, claro, graças a todas as estas entidades que nos ajudaram”.

Prémio Literário Correntes d’Escritas/Papelaria Locus


Paulo Gonçalves, da Porto Editora, entregou o Prémio Conto Infantil Ilustrado Correntes d’Escritas/Porto Editora, instituído com o objectivo de, explicou, “incentivar os alunos a partilharem o gosto por contar histórias”. Alunos e professora do 4ª ano do jardim-escola João de Deus subiram a palco para receber o 1ª prémio por A Casa Misteriosa, no valor de mil euros. Este galardão premiou ainda, com o 2º lugar e €500, os alunos do 4º B da EB 1 de Ferreiros, Baguim do Monte, com Contou-me o meu avô, e ainda os alunos do 4º ano, TO2 da EB1 Monte, de Touguinhó, que com João Ratinho à procura de casa alcançaram o 3º lugar e um prémio de €250. Foram ainda atribuídas menções honrosas aos alunos do 4º ano da Secção Portuguesa da Escola Europeia do Luxemburgo, exclusivamente pela ilustração de Miguelras em busca de amigos, e aos alunos do 4º ano AL4, da EB1 / JI de Arcozelo, Santo Tirso, exclusivamente pelo texto de Um anjo diferente. Todos estes trabalhos vão ser editados em livro pela Porto Editora.
Depois, Alfredo Costa, da Papelaria Locus, entregou a Miguel Rocha de Pinho o Prémio Literário Correntes d’Escritas/Papelaria Locus, no valor de mil euros. O jovem, de 18 anos, confessou que se sentiu surpreendido com o impacto que o seu conto, “A História do Velho Entristecido com a Vida” causou no júri. “É um texto que questiona e faz questionar”, explicou. Com o seu texto, que conta a história de um velho que não fez nada para aproveitar a vida. “É necessário trabalho, iniciativa, para as coisas acontecerem”, defendeu.
Por último, foi entregue o Prémio Literário Casino da Póvoa, no valor de 20 mil euros, atribuído a Maria Velho da Costa, por Myra. A escritora não pode estar presente, devido ao mau tempo que impediu a circulação de comboios entre Lisboa e Porto. Em seu nome, António Costa da Assírio & Alvim recebeu o prémio, simbolizado numa Lancha Poveira que, explicou Luís Diamantino, é o símbolo da coragem dos pescadores poveiros, que remete, por isso, “para a coragem dos escritores de lutar através da escrita”. “Ela ficou surpreendida quando soube”, disse o editor. “As outras obras a concurso eram boas e quando se ganha um prémio concorrendo com obras de grande qualidade tanto mais relevo esse prémio tem”.
O Correntes d’Escritas segue agora para Lisboa, onde a 1 de Março, decorre uma 10ª mesa de debate, no Instituto Cervantes. Revisite o evento em
www.cm-pvarzim.pt/go/correntesdescritas

Com “pedacinhos do Universo” terminaram as mesas do Correntes

Infopóvoa / Póvoa de Varzim
“Cada palavra é um pedaço do Universo” foi o tema da 9ª e última mesa de debate do Correntes que decorreu esta tarde e contou com a participação de Mário Zambujal, Milton Fornaro, Onésimo Teotónio de Almeida, Ricardo Menéndez Salmón e Rui Zink e moderação de Maria Flor Pedroso.

Sobre o tema, que considera bastante interessante e aberto, Mário Zambujal referiu que “tudo o que existe no Universo, o Homem atribui-lhe uma palavra, um nome”. Mas “o Homem compreende que não sabe as palavras todas, inclusivamente aquelas que criou”, acrescentou o escritor e jornalista que afirmou que “o Homem inventou uma palavra fantástica - ‘coisa’ – que quer dizer tudo e não quer dizer nada” e surge como “grande substituto da nossa preguiça de ir à palavra exacta ou de não a conhecermos”. No entanto, “quando se passa à palavra escrita a ‘coisa’ rareia” disse Mário Zambujal que pensa que não é muito apropriado ao escutar escrever coisa. Assumindo-se como “um velho jornalista que conta histórias”, Mário Zambujal considera que “um livro é um acto de comunicação” e como tal a linguagem “quer-se muito clara e simples” para que as pessoas a entendam e a comunicação chegue. “Os leitores dependem das suas próprias capacidades de entendimento, não são todos iguais” esclareceu o escritor referindo-se à diversidade da literatura e dos gostos, “a maneira de gostar de um livro é diversa”. Para Mário Zambujal, a palavra ‘escritor’ é um rótulo, preferindo o termo ‘autor’ pois este sim corresponde a algo que se fez.


Milton Fornaro abordou o tema a partir de uma passagem do primeiro livro da Bíblia, Génesis, para lembrar como o criador fez o mundo, Deus disse e depois fez-se, ou seja, a palavra antecede a acção, primeiro nomeia e depois cria. Interpretando “Cada palavra é um pedaço do Universo” segundo a tradição cristã, “a palavra é o princípio a partir do qual se constrói o Universo”, referiu o escritor que nos define como “animais da linguagem”. ‘As palavras, sempre as palavras’ citou Milton Fornaro a provar que não há outra possibilidade para o poeta pois “o homem pode condenar-se ao silêncio mas o poeta não pode porque está condenado às palavras”. Para Milton Fornaro, os escritores estão comprometidos com as palavras (apalavram-se) e não existe possibilidade de escrever sem estar comprometido, “apalavramos porque o mundo, tal e qual, não nos convence” e “são as palavras que nos permitem recuperar o perdido”, afirmou dedicando a sua intervenção em “homenagem a todos os leitores de livros”.
“A última mesa faz todo o sentido que seja uma missa”, gracejou Rui Zink pois à semelhança de Milton Fornaro também recorreu à passagem dos Génesis para iniciar a sua intervenção, “No princípio não é o verbo, é o grito, é o berro”. Reflectindo sobre a condição humana, o escritor estabeleceu um paralelo entre os bebés e Adão e Eva antes de comerem a maçã do pecado, “eram felizes, depois vêm as chatices”, referindo-se à não correspondência entre aquilo que se quer e o que é dado, “caímos em desgraça quando percebem que a qualidade do serviço não é a melhor”. Mantendo sempre o paralelismo entre a aprendizagem da língua pelos bebés, Rui Zink citou o evolução “descobrimos que comunicar com aquela gente é impossível. O berro é simpático mas não ajuda” e então “começamos a descobrir que diferenciar os sons é capaz de resultar” e, “com esforço, sacrifício e paciência, o nosso vocabulário vai-se expandindo a uma velocidade estonteante”. O escritor continua dizendo “Certo, nem sempre conseguimos o que queremos. Mas o Universo à nossa volta vai ganhando cada vez mais diversidade”. “O Universo torna-se mais prático e maleável devido às palavras. Existem palavras para tudo, até para as coisas que não existem” constatou Rui Zink para quem a literatura é a única arte que usa a fala e a escrita, a audição e a visão. “A palavra cria o Universo sim. Antes havia o verbo não. Antes há o berro.” prosseguiu o escritor para quem “só quando dizemos as coisas, as coisas ganham sentido para nós”. Sobre a diversidade das palavras, o escritor mencionou que “há palavras para matar e palavras para salvar. Todos os dias podemos criar e descriar o Universo.”. “O maravilhoso na palavra é que podemos não dizer nada porque o próprio silêncio é, por sinal, uma palavra bem bonita”, concluiu Rui Zink.
Para Ricardo Menéndez Salmón, “Cada palavra é um pedaço do Universo” é um tema que, em termos lógicos, esconde uma tautologia e sobre o qual não lhe ocorre nada. Discursando em torno do “nada”, o escritor afirmou que muita gente passa pela vida sem dizer nada, sem fazer nada e “se vive como se respira, de modo mecânico”. “Há dias em que acontece nada”, “Quando me sento a escrever, rodeia-me nada” e ó ‘nada’ que devolve o olhar ao escritor, continuou Ricardo Menéndez Salmón para quem “o artista é um resistente porque o seu motor criativo é doente, é inútil, é um corpo preguiçoso, numa sociedade que se quer saudável”. “Cada vez que concluo um livro, fico seduzido pelo nada e deixo-me ficar durante meses” revelou o escritor referindo que “a única palavra que pode definir o nosso trabalho é nada”.
Com o seu característico sentido de humor, Onésimo Teotónio de Almeida findou as intervenções da mesa com “pedacinhos do Universo” não fossem as suas palavras virarem moscas e chatear muito. O escritor considera que palavras é o que mais há, “Todos falam, mas ninguém ouve.”, referindo que “Há para aí palavras a mais no mercado e ideias a menos”. A este propósito, divulgou que publicou recentemente um livro de ideias, com poucas palavras, recorrendo à navalha de barbear para cortar palavras a mais, brincou.

“Os motes das mesas são autênticos abacaxis que custam a descascar”

Infopóvoa / Póvoa de Varzim
“Duvido, portanto penso”, verso de Fernando Pessoa, causou, a avaliar pelos testemunhos dos intervenientes na 8ª mesa de debate, muitas horas perdidas a…pensar. A “estranheza” dos temas é marca do Correntes d’Escritas, os diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema um dos “fenómenos” curiosos do Encontro Literário.
Em vez de “Duvido, portanto penso” João Paulo Sousa leu, quando lhe foi comunicado o tema do debate, “Duvido, portanto escrevo”. A preposição pareceu-lhe correcta, “significava que a dúvida podia ser apresentada como motor da escrita, representava também uma evidente aproximação às minhas preocupações sobre o meu processo de construção literária”. Para o ensaísta português, a dúvida é instituída como princípio de elaboração do texto. “O meu ponto de partida é a situação em que as personagens se encontram, de conflito ou de tensão, o que também permite imaginar uma ou outra possibilidade. Eu sei onde tudo principia e onde tudo pode acabar. Mas ignoro como lá chegar e, pior ainda, nem sei se lá chegarei”. As escolhas marcam o processo de criação literária, há “uma proliferação de caminhos”, mas o escritor não se pode libertar delas dado que tem que decidir “qual a possibilidade que tem que apresentar em primeiro lugar, em segundo, e assim sucessivamente”. Salto no escuro, “porque nunca é possível saber com exactidão qual é a melhor escolha”. A escrita é “contingente”, as escolhas vão-se reduzindo à medida “que as palavras aumentam”. Há uma “asfixia da dúvida, porque se reduzem as escolhas possíveis” que podem levar ao concluir da obra.
Vítor Burity da Silva, leu uma dissertação sobre o tema, ou como resumiu o moderador José Mário Silva, apresentou um texto literário “sobre a dúvida como estado de emergência poética”. “O preâmbulo da dúvida como metástase da existência”, iniciou o escritor angolano, “este beco de subtilezas anacrónicas no rastilho de palavras inócuas que me percorrem o silêncio, virando-me às avessas, contra mim mesmo. Sem questionar-me sobre quem fui, indo, duvidando de mim próprio nestas lestas e parcas províncias do raciocínio que me deitam num mar de dúvidas sobre verdades sem sentido nenhum”.
“Os motes das mesas são autênticos abacaxis que custam a descascar. Já me tinham avisado”. Assim confessou Paulo Moreiras das dúvidas com que foi assaltado acerca do tema. “As dúvidas eram muitas e múltiplas as abordagens que poderia desenvolver, mas estava sem ideias”. Essas surgiram quando leu, há cerca de 15 dias, no suplemento Y um texto de Luís Francisco sobre o sexo na literatura portuguesa e, no mesmo suplemento, um texto de Isabel Coutinho sobre o escritor Juan José Millás onde este diz “gosto muito de tudo aquilo que é capaz de causar estranheza”. Pouco disto parece ter a ver com o tema, mas, disse o romancista e poeta moçambicano, “as dúvidas surgem sempre de onde menos se espera”. E de facto, ao ler estes dois textos lembrou-se um conjunto de dúvidas que teve quando andou a pesquisar para o seu recente romance Os Dias de Saturno, sobre os últimos dias de Domingos Rodrigues, cozinheiro do Rei D. Pedro II e autor do primeiro livro de cozinha publicado em Portugal em 1680, Arte de Cozinha. Paulo Moreiras teve que pesquisar um vasto conjunto de livros de culinária e receituários e deparou-se com a peculiaridade de algumas expressões usadas na culinária portuguesa, “onde se notava um forte pendor erótico, por vezes explicito, por vezes dissimulado, e questionava-me sobre o que queria dizer na realidade”. As palavras “nem sempre querem dizer o que realmente dizem” e, para exemplificar, enumerou vários exemplos que abundam na nossa doçaria, e que uma vez mais encheram o Auditório de gargalhadas. É característica portuguesa “gostar de dizer as coisas sem muitas vezes as nomear em concreto. A língua portuguesa é muito traiçoeira e permite muitas leituras”. Considerando que pouco a ver com o tema teve a sua intervenção, Paulo Moreiras defendeu-se dizendo que “não consegui deixar de pensar nas dúvidas que tais leituras me provocaram, pois a cozinha nunca esteve muito longe da cama”. Lourenço Pereira Coutinho falou de dúvida e de pensamento. “A dúvida, e não falo da mesquinha nem da que resulta em desconfiança, mas sim da que dúvida que nos leva a interrogar, a pensar, a descobrir, é simultaneamente sinónimo da incessante busca humana do conhecimento e também a constante demonstração perfeita da imperfeição da espécie”. Sempre presente “em todos os momentos da nossa caminhada” a dúvida é “entranhadamente nossa”.


“Hoje continua a ser prova da nossa insaciável curiosidade, da incapacidade de aceitar o que escapa à impossibilidade de demonstração”. Sobre o pensamento, considera que é o pensar “que nos faz profundamente livres, profundamente humanos. Pensar porque se duvida, duvidar e pensar. Por isso, escrever. Escrever para exteriorizar afectos, inquietações, medos, raivas e alegrias. Como acto de profunda liberdade que se renova a casa frase, cada palavra”. Mas Lourenço Pereira Coutinho sente-se à vontade com a dúvida. “Felizmente, sei que nunca encontrarei resposta para as minhas dúvidas que não deixam de me desinquietar, de obrigar a pensar e assim perceber o quanto sou humano e o quanto preciso de escrever”.
Não era suposto Sérgio Luís de Carvalho estar nesta 8ª mesa de debate, mas sim na 7ª. Trocou com Pedro Pinto, a pedido deste último. A comunicação, já a tinha preparado sobre o tema da mesa em que ia participar inicialmente. “As palavras cercam-nos como um muro”. Assumiu, com humor, que não se preparou com este tema, “afinal tudo é muito parecido”, gracejou. Contou histórias que fizeram rir a audiência, como a de D. Ermelinda que, há muito anos, aprendeu, em Angola um dialecto local. Veio para Portugal mas nunca encontrou ninguém com quem falar aquele dialecto. Por isso, explicou o escritor, “às vezes fala-o comigo e com a minha mulher, mesmo sabendo que nós não compreendemos. Ela prefere a incompreensão ao silêncio”. Mas, como fez ver, estamos “aparentemente” numa sociedade que privilegia o silêncio, a avaliar pelos inúmeros provérbios que isso defendem: ‘As palavras são de prata mas o silêncio é de ouro’, ‘uma imagem vale mais que mil palavras’, entre muitos outros. Mas não é bem assim, explicou o escritor lisboeta, lembrando, por exemplo, os silêncios incómodos, aqueles que nos encontram quando partilhamos um elevador com alguém desconhecido. E, continuou ele, a nossa sociedade não privilegia o silêncio porque todos têm opinião sobre algo e, acrescentou ele, nem nos minutos de silêncio, por exemplo nos estádios de futebol, as pessoas conseguem estar em silêncio, optando por bater palmas. “Frequentemente, o que nos fazemos é o oposto daquilo que esta mesa sugere. Reparem, se dissermos ‘duvido porque penso’ ou ‘penso, logo duvido’, tendencialmente isto encaminhar-nos-ia para o silêncio. E não é isto que sucede. Tendencialmente, o que nós fazemos, é dar opiniões”. Mas deixou uma última ideia. “Eu não quero que encarem estas minhas palavras como se eu estivesse a sobrevalorizar o silêncio e a menosprezar as palavras. Se assim fosse tinha escolhido o ofício errado. Há palavras e palavras, há silêncios e silêncios”.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Noite de passadeira vermelha no Correntes d’Escritas

INFOPÓVOA / PÓVOA DE VARZIM
A passadeira vermelha no exterior do Auditório Municipal anunciava que algo que de diferente se ia passar. De facto, ontem à noite, numa parceria estabelecida com o Correntes d’Escritas, a revista LER e a Booktailors entregaram os Prémios de Edição, numa cerimónia divertida e recheada de merecidos aplausos.
Foram atribuídos duas dezenas de prémios. Nove ao melhor do trabalho editorial, seleccionados por um júri, votados por outro júri e pelo público. E onze prémios especiais, concedidos como o reconhecimento da comunidade a figuras importantes da edição.
Assim, foram vencedores:
Melhor Design de Literatura: Contos Completos, de Truman Capote, da Sextante Editora;
Melhor Design de Não-ficção: Uma Ideia da Índia, de Alberto Moravia, da Tinta-da-China; Melhor Design Infantil e Juvenil: Trava-Línguas, de Dulce de Souza Gonçalves, da Planeta Tangerina; Melhor Design de Livro Escolar: História 9; Ana Oliveira e outros, da Texto Editora;Melhor Design de Arte e Fotografia: Berlim – Reconstrução Crítica, com coordenação de Pedro Baía, da Circo de Ideias; Melhgor Design de Colecção: Colecção BisLeya, Leya; Melhor Design de Gastronomia: Receitas Go Natural, de Frederico Carvalho, pela Tinta-da-China; Melhor Fotografia Original: O Mundo é tudo o que acontece, de Pedro Paixão (texto e fotografia), pela Quetzal; Melhor Ilustração Original: Crónicas dos Bons Malandros, de Mário Zambujal, com ilustrações de João Fazenda, pela Quetzal.
Prémio Especial Carreira: Luís Oliveira, da Antígona; Prémio Especial Editora do Ano: Dom Quixote;


Prémio Especial Editora Revelação: Editora Planeta Tangerina;
Prémio Especial Artes Gráficas: Jorge Silva;
Prémio Especial Tradução: José Bento;
Prémio Especial Inovação: Colecção Literatura de Humor, da Tinta-da-China;
Prémio Especial Livreiro: Duarte Nuno Oliveira e Caroline Tyssen (Livraria Galileu);
Prémio Especial Livraria Independente: Ler Devagar;
Prémio Especial Jornalista ou Imprensa de Edição: Eduardo Pitta;
Prémio Especial Blogue de Edição: Os Livros Ardem Mal;
Prémio Especial promoção de autor português: Editorial Caminho, pela promoção de José Saramago.
Luís Diamantino, Vereador do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, entregou o Prémio Especial Editora do Ano e aproveitou para dizer que “é um grande prazer ter-vos cá e ter aceite este desafio de receber a entrega dos Prémios de Edição”. Sublinhando que esta cerimónia foi um dos muitos eventos que contribuiu para que o programa do Correntes d’Escritas fosse diferente, deixou o repto, “precisamos de pessoas especiais”. E reconhecendo o trabalho que os editores têm feito pela promoção do Correntes d’Escritas confessou que “para as Correntes d’Escritas todos os editores merecem este Prémio”.
José Francisco Viegas, em representação da revista LER congratulou-se pelo facto de a entrega de prémios decorrer num universo de autores, editores, livreiros, leitores. “A primeira vez que se quis organizar um evento desta natureza foi no início dos anos 90”, contou, uma ideia que por muitos foi considerada absurda. “A diferença é que há agora parceiros à altura. Os parceiros chamam-se Booktailors. A existência de um gabinete de consultores editoriais especialistas em edição mudava tudo pelo entusiasmo que colocaram no desenvolvimento da ideia”. E assim foi. E se no ano passado a primeira edição dos Prémios de Edição Ler/Booktailors foi experimental, este ano foi feita pela primeira vez em público.
O programa do Correntes d’Escritas entra hoje no seu último dia, com a realização de duas mesas de debate, Às 10h30 e às 16h00, seguida da sessão de Encerramento, às 18h00. Conheça melhor o programa no
portal municipal.

Perversão, Imaginação e Literatura na 7ª mesa de debate

INFOPÓVOA / PÓVOA DE VARZIM
A Literatura perverte a imaginação. Tema da 7ª mesa de debate, permitiu diversas leituras a todos os que nele participaram – Leonor Xavier, Malangatana, João Manuel Ribeiro, Manuel Jorge Marmelo e Gonzalo Celorio.
No papel de moderador, Ivo Machado lançou as primeiras perguntas sobre o tema “Perverte a imaginação de quem? Do leitor ou do criador?”
Leonor Xavier tratou de procurar cada uma das palavras no dicionário. Se Literatura e Imaginação dispensam pesquisa, o mesmo não se pode dizer de perverte, “que nada tem a ver com perversão, é o contrário, porque é tornar perverso ou mau, corromper”. Na sua busca por mais opiniões sobre o tema, acabou por recordar uma amiga sua, portuguesa, Maria Adelaide Amaral, que escreve novelas e peças de teatro no Brasil. “A Maria Adelaide tem uma palavra fantástica para as situações que a gente não consegue enfrentar”. Essa palavra é instigante, a mesma que, contou Leonor Xavier, uma amiga sua brasileira, psicanalista, utilizou como resposta ao seu pedido de ajuda sobre o tema. Depois, a escritora fez “uma pesquisa pelos meus amigos portugueses e um deles, de uma geração abaixo, disse ‘Ela não perverte mas potencia a imaginação”. Eu respondi ‘ela subverte’ e por aí fora, podemos pôr todo o género de sufixos e prefixos. É uma coisa torrencial, podíamos estar horas a falar sobre isto”. Lendo um poema que escreveu em memória de David Mourão-Ferreira, “pessoa muito importante para a minha geração”, a escritora e jornalista terminou dizendo que mais não sabia dizer, “não sei se perverte, se subverte, se potencia, tudo isto é muito complicado”.
O mexicano Gonzalo Celorio apresentou uma comunicação onde, por um lado, concordava com o tema, por outro não. “Eu estou de acordo em certo sentido, em termos editoriais e estritamente contemporâneos, porque tenho a impressão que boa parte da narrativa de hoje em dia sacrificou a imaginação”, considerando que crê ter passado o tempo “da narrativa do real maravilhoso e do fantástico”. Discorda, mas termos conceptuais. Isto porque defende que “a imaginação pressupõe a distorção da realidade e, geralmente, pressupõe a ampliação das categorias da realidade. A imaginação é que, de alguma forma, perverte a realidade convencional”. Na sua opinião, não há literatura sem imaginação, mas o oposto pode acontecer. Literatura e imaginação “associam-se frente à realidade e são a literatura e a imaginação que pervertem a realidade”. Acrescentou ainda que não só pervertem mas convertem, advertem, invertem, subvertem, divertem, entre os muitos sufixos e prefixos já mencionados por Leonor Xavier.

Manuel Jorge Marmelo “perverteu” o tema usando o seu último livro, As Sereias do Mindelo. “Mais do que a imaginação, a Literatura começou a perverter a minha realidade”, e contou uma série de peripécias e coincidências que ocorreram já quando estava a finalizar o livro. De facto, estando ele a escrever sobre uma personagem que tentava, sem sucesso, chegar a Cabo Verde, também ele, de férias marcadas para este país, mais concretamente para Mindelo, viu o seu voo ser cancelado. “Tal como a minha personagem, também eu não estava a conseguir chegar ao destino”. Vendo nisto um aviso, decidiu cancelar a viagem. Pouco depois, foi convidado, por um grupo de teatro portuense, a acompanhar, enquanto jornalista, a sua participação num festival de teatro em Mindelo. “Achei que era maravilhoso, dado que tinha cancelado as minhas férias, aceitei e fui. E qual não foi a minha surpresa quando me puseram a dormir na residencial onde imaginei que o meu personagem tinha ficado em prisão domiciliária”. Muitas coincidências, mas faltava ainda uma. É que uma das sereias do livro “não tinha um dente da frente”. E, durante o festival, enquanto o jornalista fumava um cigarro no exterior, iniciou uma conversa com uma mindelense. “Quando ela sorriu, vi que não tinha o dente da frente”. Uma história que partilhou com o objectivo de provar que, efectivamente, “mais do que a imaginação, a literatura tem vindo a perverter a minha realidade”.
João Manuel Ribeiro substitui João de Melo, que não pôde comparecer, na mesa de debate. Depois de ler um poema de Eugénio de Andrade, explicou que “a Literatura é um território de paradoxos. O primeiro paradoxo tem a ver com a sua própria definição”. Mas, mesmo assim, avançou algumas definições. É, por exemplo, “experiência antropológica fundamental” ou elemento “que possibilita ver mais realidade porque inclui um conjunto de capacidades e de saberes. Dizem alguns que a literatura é uma forma distinta de aceder e possibilitar conhecimento ou de ver através da realidade”, continuou. “A Literatura não cria imaginação, mas cria realidade. A Literatura perverte a imaginação porque faz dela realidade”.
“Até este momento ainda não sei o que dizer”. A aflição de Malangatana depressa foi substituída pelas muitas histórias que guarda. “Alguém me perguntou como inventava figuras tortas, figuras tristes, figuras grandes. Eu disse que o invento aparece por mentira. É preciso mesmo que o pintor minta para poder perverter a sociedade”.
Verdadeiras ou ficcionais, ou como ele disse “mentira de verdade”, contou histórias e até cantou. E deixou uma forte mensagem no final. “A minha pintura, a minha obra, o que eu crio, não passa de tentar escrever poemas, pintando, pondo a cor, e mentira para que a sociedade se possa ver dentro dessas pinturas que também, de vez em quando, chamo poemas”.
Amanhã termina o Correntes d’Escritas. Não perca a oportunidade de assistir às últimas duas mesas de debate, no Auditório Municipal, às 10h30 e às 16h00.



Casas Contadas; História com recadinho e Derrocada. Público conheceu mais três obras

A Casa da Juventude acolheu, esta tarde, o lançamento de mais três obras literárias: Casas Contadas; História com recadinho e Derrocada.
Inês Pedrosa apresentou a autora, Leonor Xavier, e o seu mais recente livro, Casas Contadas. Recordando a mesa em que foi moderadora ontem à tarde, onde Manuel da Silva Ramos, munido de luz e capacete “tornou-se um mineiro”, Inês Pedrosa considerou a obra de Leonor Xavier “uma mina com várias galerias” e com uma “escrita sedutora, mas não manipuladora e com um ritmo musical fortíssimo”. Casas Contadas percorre todas as treze moradas da escritora ao longo da sua vida, cinco das quais no Brasil. Ao longo do livro, Leonor Xavier conta, não só a sua própria história, como também a história dos dois países onde habitou, Portugal e Brasil. A autora referiu que “todas as vidas têm história, por isso, todas as vidas davam livros”.
Vítor Silva Mota, da Editora Asa, explicou que a História com recadinho veio juntar-se a outras obras de Luísa Dacosta na Biblioteca Completa da escritora que a editora tem vindo a publicar. Luísa Dacosta, antes de qualquer outra coisa, levantou-se e advertiu: “fui professora toda a vida e só consigo falar de pé!” E foi de pé que folheou, orgulhosamente, a reedição da sua história (a primeira edição é de 1986). “Mesmo que depois fale menos”, brincou, “tenho que vos mostrar as ilustrações da Cristina Valadas, que é uma grande pintora, e que fez este trabalho maravilhoso”. Aquando da primeira edição, a História com recadinho mereceu uma crítica pouco positiva de uma revista. Luísa Dacosta ficou “bastante desiludida com essa injustiça” e, hoje à tarde, manifestou o seu desagrado, “até porque”, recordou, “recebi uma carta de um menino, na altura, que dizia: Luísa, gosto muito de ti. A História com recadinho é uma história de sonho e liberdade que nos faz sonhar”. Uma bruxinha decide fugir do reino das bruxas (um «mundo de trevas, árvores mortas e aves agoirentas») para o mundo dos homens (onde havia «tantos brilhos, tantas cores e tantos perfumes»), numa tentativa de encontrar um local onde pudesse «dar largas à sua alegria e ao seu humor benfazejo». Mas, para seu espanto, também o mundo dos homens, apesar da sua beleza exterior, se revelou um mundo de trevas pelo obscurantismo dos seus preconceitos!


Finalmente, Manuel Valente apresentou Ricardo Menéndez Salmón. O editor sublinhou que “se há escritores que me dão prazer apresentar, o Ricardo é um deles. Em Espanha é já considerado como um dos autores mais importantes do país”. Quanto à obra, o editor explicou que faz parte de uma “trilogia do Mal”. Ricardo Menéndez Salmón acabou por informou que “neste segundo livro da trilogia uma terrível ameaça recai sobre Promenadia, uma pacata cidade costeira”. Um assassino em série, que seduz vítimas e verdugos, actores e espectadores, transforma-se na sombra da comunidade. Os pilares de uma sociedade de escassos valores são infectados pela chaga do Terror – um prenúncio da derrocada – a que ninguém, nem mesmo Manila, o cismático polícia encarregado da investigação dos vários crimes, fica imune.

6ª mesa do Correntes reuniu “predadores”

INFOPÓVOA / PÓVOA DE VARZIM
“O poeta é o gourmet do recôndito.” esta foi a afirmação de Inma Luna que marcou a 6ª mesa do Correntes, ontem pela tarde, no Auditório Municipal. Moderada por Francisco José Viegas e tendo como ponto de partida a frase de Agustina Bessa-Luís “O poeta é um predador”, a sessão reuniu à mesma mesa Inma Luna, Ivo Machado, Jorge Melícias, Tiago Nené e valter hugo mãe.
Inma Luna revelou ao público que fez questão de levar um vestido com um leão para sentir na pele o papel de predador conforme a temática da sessão lhe sugeria abordar “O poeta é um predador”. “O poeta não sabe que é poeta até comer o primeiro pedaço de carne viva.” foi deste modo que Inma Luna iniciou o seu discurso e recorrendo a uma espécie de analogia zoopoética identificou o poeta lobo, o poeta crocodilo, o poeta anémona e o poeta serpente. Depois de caracterizar cada um destes poetas, a escritora alertou que não nos devemos esquecer que os poetas, como a imensa maioria dos predadores, estão em perigo de extinção, intimidados pelo mercado e suas condicionantes e desanimados pela desvalorização do sonhador acrescentando que o desaparecimento de uma espécie supõe que esse nicho ecológico seja imediatamente ocupado por outro, como por exemplo burocratas, banqueiros, políticos e dirigentes. No entanto, Inma Luna considera que a poesia segue querendo mudar a vida e para fazê-lo, o poeta seguirá devorando-a, aplicando-lhe as suas tácticas de atracção. A escritora terminou dizendo que “A predação tem uma função muito importante na natureza, por meio dela controla-se a povoação. O poeta, como predador, deveria contar com um tipo especial de protecção, devia ser tratado com mimo, prestigiar a sua tarefa, dar valor ao seu mordisco”.
Jorge Melícias afirmou que “a poesia é sempre uma encenação da verdade”, motivo pelo qual “tanta coisa é desculpada aos poetas”. O escritor não se considera um poeta místico, revelando que “sempre encontrei mais poesia na tosse dos tísicos do que nas chagas dos justos”, vendo a sensibilidade do lado do predador e não da presa. Jorge Melícias referiu ainda um real transmudado em que o poeta é um predador dele mesmo numa constante luta contra os seus próprios demónios, “o poeta é o predador de um real”, acrescentou. “Procuro que cada poema meu seja uma dádiva de pura violência”, disse o escritor que pensa que “a beleza está cada vez mais ligada à violência”.
Valter Hugo Mae assumiu-se como um predador e referiu que “ando sobretudo à caça da satisfação”, “falta-me tempo, quero mais”, “quero ser feliz no meio de tanta coisa”. Destas revelações, o escritor vilacondense partilhou a sua «história com os bichos» e o modo como se habituou a pensar tragicamente que os bichos eram capazes de sobreviver à sua ausência. Num registo irónico, valter hugo mãe confessou “sou um predador à caça de amigos por mais esquisitos que eles possam parecer. Eu sou um predador disto, o outro lado das coisas.”

Tiago Nené considera que “mais do que um predador, o poeta é um performer” e a poesia uma performance que ultrapassa a realidade. O poeta como predador absoluto é aquele que à distância segue a ordem do seu poema, na busca pela naturalidade, continuou o escritor que pensa que “o poeta não tem que dizer a verdade. A ficção como parte de uma realidade parte do contexto biográfico do poeta”. Tiago Nené disse que não existe uma definição exacta de poeta, “os poetas desejam desejos (dissecação de desejos) e é a partir desses contextos em que o poeta se auto-coloca que surge a poesia”, esclareceu acrescentando que “a boa poesia está acima da importância de existir”.



Ivo Machado começou por partilhar com o público a história sobre o primeiro poema que escreveu, dirigido à namorada, e que após o ter entregue só voltou a vê-la 35 anos depois. O escritor referiu algumas das “inesgotáveis definições de poeta” que o marcaram ao longo da vida entre as quais citou um poeta francês que dizia “Se perguntarem a um camponês grego o que é um poeta ele dirá que é aquele que canta, mas se o perguntarem a um homem culto da cidade ele dirá que é aquele que escreve versos”. “A poesia, na sua essência, é subversiva. O poeta proclama e subverte, outras vezes, prefere fechar os olhos para ver mais claro” afirmou o escritor que define o poeta como um recordador infatigável que fala aos mendigos e aos loucos, fala a todos que o queiram escutar e “poderá ser também um ajudante de Deus. Ivo Machado disse ainda que os governantes procuram silenciar os poetas mas citam-nos e “qualquer político sabe que uma só palavra pode matar a nossa sede” mas “quando se é poeta, há que aceitar ser ingénuo”, concluiu.

“Aceitem o desafio. Ponham todos os ovos no mesmo cesto.”

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Imma Monsó apresentou, hoje ao final da manhã, na Casa da Juventude, a obra Um Homem de Palavra. Há alguns anos, a escritora perdeu o marido, pessoa com quem tinha “uma relação muito especial, não só física e amorosa, mas intelectual. Quando ele morreu comecei a escrever um diário. Só mais tarde percebi que estava diante de um livro”, confessou a escritora. “A distância da experiência, que parecia tão trágica, fez-me perceber que aquele acontecimento foi um entre os vários momentos infelizes da nossa vida”, descreveu Imma Monsó. Em Um Homem de Palavra, desafio o leitor a colocar todos os ovos no mesmo cesto, a viver plenamente a paixão, mas para estar preparado para que o cesto caia e os ovos se partam. Afinal, quando um ser querido desaparece da nova vida, como conciliar a necessidade de esquecer com o forte desejo de nunca o fazer? Como conjugar a recordação e o esquecimento da melhor maneira possível? Descubra as respostas em Um Homem de Palavra, um singular tratado sobre o luto e uma tentativa de reconstruir a presença do ser desaparecido por meio de palavras e de humor, as únicas formas que podem ganhar a partida à morte.

O Universo infinito das palavras em discussão na 5ª mesa de debate


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Não foi a palavra mas sim o tema que cercou os cinco convidados de hoje para a 5ª mesa de debate. “As palavras cercam-nos como um muro” foi o mote para uma conversa animada, ou não tivesse como moderador Onésimo Teotónio de Almeida, escritor açoriano que tem sempre uma anedota na ponta da língua.
“Creio que as palavras não têm culpa. São inocentes. São as palavras que estão encerradas no crânio juntamente com os pensamentos e as sensações”, começou por dizer Hector Abad Faciolince. Palavras essas que podem escapar pela boca ou pela escrita. “O ser humano inventou outra porta para que as palavras escapassem do crânio, sem serem ouvidas. Esse invento foi a escrita. Porque há dois tipos de palavras, as sonoras e as palavras silenciosas, as que escrevemos. É como um sopro nos dedos, um rumor apenas perceptível na pena que desliza sobre o papel”. E é com estas palavras mudas que o escritor colombiano se sente mais à vontade, “cómodo, livre”. É que quando escreve, ninguém o interrompe ou critica, “não gaguejo, não titubeio”.
Inês Botelho acredita que “quer na fala quer na escrita o vocabulário restringe-nos”, sendo que a linguagem nos cerca praticamente “desde o útero, onde somos bombardeados pelos sons”. “A linguagem está em todo o lado, vai-nos moldando e penetrando”. Por outro lado, Inês Botelho defende que “há alturas em que os textos parecem exigir que os escreva”, as palavras rodeiam-na “ e sou eu a querer agarrá-las”. “As palavras são tantas que tendem a sair numa enxurrada violenta” e, por isso, a escritora depara-se com uma página em branco “sem saber como escrever a maldita primeira frase”. E se “culpar a linguagem é inútil” a verdade é que “as palavras são quase inevitáveis, mas preciosas e imensas. Afinal, podemos fazer tanto com as palavras que nos cercam”.
A catalã Imma Monsó escolheu falar do tema através da sua relação com a palavra, desenvolvida ao longo dos livros que já escreveu. Assim, atribui à Literatura a possibilidade de “entrar num mundo mágico de empatia com o outro, de entrar na mente de outra pessoa, viver a sua vida”. De certa forma, a palavra permite a evasão, a construção de alternativas. Permite também derrubar muros, “inovar continuamente”, construir personagens “que são vistas de forma distinta pelos leitores”. A palavra pode ainda “derrubar tabus”, funcionar como “terapia” e “redimensionar e pôr na medida justa os problemas pessoais”, este último conclusão a que chegou com o livro Um Homem de Palavra, nascido de um diário que escreveu após a morte súbita do seu companheiro. “As palavras são muros que nos cercam, mas que também derrubam e que nos transformam, nos alegram e nos entristecem”.
A José Carlos Barros a descoberta das palavras e da Literatura é indissociável da sua infância, “um lugar mágico”. Nascido num meio rural, no interior, “lugar onde o sobrenatural convivia com o quotidiano”, contou que os habitantes, mesmo analfabetos, sem escolaridade e sem livros, davam muita importância às palavras e aos livros. “Nos negócios diziam ‘Dou-te a minha palavra’” e respeitavam a palavra escrita que vinha nos livros dos “doutores”. “A maneira como vejo a Literatura e como escrevo tem a ver com, por um lado, com esta ideia de mundo mágico, em que a Literatura permite a reconstrução de memórias e de criação de universos únicos, e, por outro lado com a importância da palavra”.
“O tema é provocante, tem vários pontos de fuga. Podia falar, por exemplo, sobre a liberdade de expressão, mas se calhar iríamos ficar aqui até às três da tarde”. Por isso, Pedro Pinto, o último interveniente nesta 5ª mesa de debate, optou por identificar os diversos muros com que se deparou na escrita do seu romance estreia O Último Bandeirante. Escrever sem ter objectivamente uma ideia, lidar com o conflito de interesses por detrás da história de Raposo Tavares, o último bandeirante, equilibrar os momentos de angústia com os momentos de exaltação no processo criativo, imaginar os pormenores, os cenários foram apenas alguns das barreiras que o jornalista encontrou. “Mais do que cercarem, e pegando numa música dos Xutos & Pontapés, as palavras erguem escadas e partem muros”. Por isso, e concordando com Hector Abad Faciolince, Pedro Pinto defendeu “que a culpa não é das palavras, é dos muros que criamos às nossas próprias palavras”.

Inês Pedrosa, Leonor Xavier, Manuel Rui e Pablo Ramos partilharam palavras com alunos da Escola Rocha Peixoto

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Inês Pedrosa, Leonor Xavier, Manuel Rui e Pablo Ramos estiveram, esta manhã, na Escola Secundária Rocha Peixoto transportando as Correntes d’Escritas ao meio escolar.
Leonor Xavier dirigiu-se para uma plateia de cerca de 150 alunos, dizendo “gosto muito de vocês” e acrescentou que no mundo em que vivemos poder dizer alguma coisa a alguém é absolutamente fantástico. Recorrendo a um verso de Carlos Drummond de Andrade “amar aprende-se amando”, a escritora referiu que viver também se aprende vivendo pelo que considera que “não andamos nesta vida por acaso e há um sentido para andarmos por aqui”. Como palavra de eleição, Leonor Xavier revelou que anda muito fixada na palavra “pessoa”, “mexe muito comigo” e fá-la reflectir em questões como “Porquê que certas pessoas passam na nossa vida?” ou “O que é que as pessoas nos deixam na vida?”. Ainda a propósito das palavras, a escritora citou alguns amigos que diziam “As palavras são como plasticina porque podemos moldá-las” e “Todos os dias temos que levar palavras novas para casa”, confessando que “acho bonito que as palavras sejam um pouco de nós”.
Sobre a sua obra, Casas Contadas, que será apresentada esta tarde na Casa da Juventude, Leonor Xavier afirmou que se trata de uma autobiografia, em que cada capítulo corresponde a uma das casas onde viveu, no total 13, cinco delas no Brasil, acrescentando que as casas foram um pretexto para contar a sua vida.
Inês Pedrosa partilhou com o público que a sua ligação aos livros e à escrita começou muito cedo “a literatura é que me envergou a mim, ainda muito pequenina” e nunca pensou em desistir de escrever, vivendo sempre “na rede das palavras”. Questionada sobre planos para o futuro, a escritora disse que “não sou de fazer projectos”, apenas “tenho sempre outro livro na cabeça quando termino um” e neste momento pensa no seu próximo lançamento que será em Abril. Sobre a dicotomia ficção/realidade, Inês Pedrosa afirmou que “Tenho cada vez mais dificuldade em distinguir a realidade da imaginação. A realidade é assombrosa e muito inspiradora; a ficção é a transfiguração da realidade.”


“Escrever é a coisa mais profunda que se faz na vida. Quando não escrevo não sou nada.” declarou Pablo Ramos para quem a escrita é um trabalho espiritual. O escritor argentino define-se como um “escritor moral” e justifica dizendo que escreve histórias nas quais as personagens têm que se confrontar e decidir porque, para si, “uma narrativa de qualidade é sempre moral” porque a própria vida é uma “aventura moral”. “A minha literatura é profundamente social” e retrata uma “realidade que me toca profundamente e se apresenta na minha ficção de modo estruturado”, numa mescla de místico e compromisso político e social, acrescentou Pablo Ramos.
A propósito de “A voz das Palavras”, Manuel Rui referiu que “as palavras só o são quando convivem umas com as outras” e lembrou que há palavras escritas e palavras ditas acrescentando que em relação às últimas “tem-se desperdiçado muito a voz”. O escritor angolano considera que “é preciso haver mais contacto directo entre as pessoas”.
Para além da partilha dos escritores, a sessão contou também com a actuação do coro da Escola Secundária Rocha Peixoto que presenteou os escritores com algumas músicas.

O Terceiro Reich, de Roberto Bolaño apresentado em festa

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O Terceiro Reich, de Roberto Bolaño foi apresentado em festa, ontem, já depois da meia-noite, no Bar da Praia. Francisco José Viegas, da editora Quetzal, anunciou que “esta é a primeira tradução mundial do livro, o que é uma enorme honra para Portugal”.
Sobre o autor: Roberto Bolaño nasceu em 1953, em Santiago do Chile. Filho de pai camionista e de mãe professora, a sua infância foi vivida em várias cidades chilenas (Valparaíso, Quilpué, Viña del Mar ou Cauquenes) e a passagem pela escola foi atormentada pela dislexia. Aos quinze anos a família mudou-se para a Cidade do México. Durante a adolescência leu vorazmente, escreveu poesia - e abandonou os estudos para regressar ao Chile poucos dias antes do golpe que depôs Salvador Allende. Ligado a um grupo trotsquista, foi preso pelos militares e libertado algum tempo depois. De volta ao México, fundou com amigos o Infrarrealismo, um movimento literário punk-surrealista, que consistia na “provocação e no apelo às armas” contra o estabelecimento das letras latino-americanas e suas figuras de proa, de Octavio Paz a García Márquez. Nos anos setenta, Bolaño vagabundeou pela Europa - lavou pratos em restaurantes, trabalhou nas vindimas ou como guarda-nocturno de parques de campismo -, após o que se instalou em Espanha, na Costa Brava, com a mulher e os dois filhos. Aí, dedicou os últimos dez anos da sua vida à escrita. Fê-lo febrilmente, com urgência, até à morte (em Barcelona, em Julho de 2003), aos cinquenta anos.A sua herança literária é de uma grandeza ímpar, sendo considerado o mais importante escritor latino-americano da sua geração - e da actualidade. Entre outros prémios, como o Rómulo Gallegos ou o Herralde, Roberto Bolaño já não pôde receber o prestigiado National Book Critics Circle Award, o da Fundación Lara, o Salambó, o Ciudad de Barcelona, o Santiago de Chile ou o Altazor, atribuídos a 2666, unanimemente considerado o maior fenómeno literário da última década.

Sobre o livro: Há uma espécie de detective literário, personagens peculiares e um sem-fim de referências literárias — que darão muito gozo ao leitor. A saber: Udo Berger, que sempre quis ser um grande escritor, mas que tem de se conformar em ser o campeão de “jogos de estratégia & guerra em Stuttgart”, decide ir ao Hotel del Mar, na Costa Brava catalã, com a sua nova namorada, Ingeborg (nome de uma das personagens de 2666). O objectivo é treinar-se para participar num novo jogo de estratégia, justamente Terceiro Reich, e preparar-se para ganhar um torneio internacional. Eles compartilham suas férias com um outro casal alemão, Charlie e Hanna, até que o primeiro destes desaparece misteriosamente depois de se cruzar com dois sinistros personagens que também levantam suspeitas nas autoridades locais: «O Lobo» e «O Cordeiro». Entretanto, Udo Berger é perseguido por um detective estranho e sombrio e, atormentado por essa perseguição sem sentido, acaba por entrar em delírio com a “paisagem surreal da Costa Brava”. Tudo isto acontece quando entra num jogo de vida ou morte com um personagem enigmático e de rosto desfigurado, El Quemado. Uma autêntica sinfonia de literatura, política, divertimento surreal, absurdo. Gozo puro.
Escritores, editores e público, depois da apresentação, continuaram em grande festa.

Seis obras apresentadas no Correntes d'Escritas

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Mais seis obras foram lançadas no Axis Vermar: Vozes no escuro, de Rui Vieira; Substâncias Perigosas, de Pedro Eiras; Desacordo Ortográfico, antologia VV.AA, Origem da tristeza, de Pablo Ramos; Cadáver precisa-se, de Milton Fornaro; e Receitas de amor para mulheres tristes, de Héctor Abad Faciolince.
Rui Vieira começou por afirmar que, agora que está publicado, “o livro já não é meu”. Vozes no escuro conta a história de uma noviça de dezassete anos que se interroga sobre a sua verdadeira vocação, isolada no castigo da cela de um convento durante seis dias, sentindo-se possuída pelos espíritos e pelas vozes das anteriores freiras que habitaram a mesma cela. O autor explicou que “as personagens não têm nome. Mais do que falar de freiras, quis que a personagem principal fosse a Mulher”.
Para Pedro Eiras, Substâncias Perigosas é “um respirar fundo, um desabafo, um ponto da situação, um resumo das minhas aulas e o que vocês quiserem”. O livro de Pedro Eiras tem como título completo Pequeno divertimento sobre literatura em cem lições também conhecido sob o título Substâncias Perigosas em que se explica por que meios os livros matam os seus autores e onde se dão variados e muito instrutivos exemplos ao alcance do comum dos mortais. A obra é um divertimento para quem escreveu e para quem lê, sobretudo aqueles apaixonados pelos livros que reconhecerão os poderes fatais dos objectos por quem nutrem tanta paixão.
A editora Livro do Dia, pela voz de Luís Filipe Cristóvão, lançou Desacordo Ortográfico, uma antologia de textos que valorizam a diferença na língua portuguesa. Autores portugueses, brasileiros, cabo-verdianos e moçambicanos reuniram-se para, mais do que escrever em bom português, escrever “boa literatura”. Um livro com textos de Altair Martins, Cardoso, Gonçalo M. Tavares, João Pedro Mésseder, Luandino Vieira, Luis Fernando Verissimo, Luís Filipe Cristóvão, Manoel de Barros, Marcelino Freire, Maria Valéria Rezende, Nelson Saúte, Olinda Beja, Ondjaki, Patrícia Portela, Patrícia Reis, Pepetela, Reginaldo Pujol Filho, Rita Taborda Duarte, Rogério Manjate e Xico Sá.

Pablo Ramos apresentou a sua Origem da tristeza. Segundo o autor, esta é uma obra de aventura onde se segue o crescimento de Gabriel. Neste romance, muito autobiográfico, Pablo Ramos exibe os seus extraordinários dotes de narrador através de uma escrita luminosa e precisa de ritmo apaixonante, que sabe que o humor é mais poderoso que a auto-compaixão e que a vida, se a deixarmos vibrar, abre caminhos mesmo onde estes não se vislumbram.
Milton Fornaro foi apresentado pelo poeta Ivo Machado que leu a edição uruguaia há quatro anos. “Como sou um homem prevenido e guardo todos os meus emails, trouxe a mensagem que enviei ao Milton depois de ter lido a sua obra”, explicou o escritor açoriano. Ivo Machado considera Cadáver precisa-se “uma obra desconcertante, magnífica”.
E foi com muito sentido de humor que Héctor Abad Faciolince apresentou Receitas de amor para mulheres tristes. O escritor contou que a história foi rejeitada por nove editoras, antes de ser publicada pela sua namorada. Depois de sofrer de fortes cólicas biliares que, segundo Héctor Abad Faciolince são frequentes em mulheres que já tiveram muitos filhos, o autor sentia-se “uma mulher muito triste”. "Receitas" em belíssimos textos, traduzidos pelo poeta Pedro Tamen, para ajudar à cura dos "males de que padecem as mulheres, ou a identidade feminina", que vão da infelicidade à traição, à frigidez, ao receio de ficar velha, ao nervosismo, ao medo das sogras, ao mau hálito, através de uma sabedoria que vem de trás e que conhece o "feminino" em profundidade. Isto apesar de o autor ser um homem. Mas que teve cinco irmãs, ou seis mães, como ele diz, e a quem dedica esta obra.

“Euro, a Nossa Moeda”: exposição patente na Casa da Juventude de 2 a 13 de Março


INFOPÓVOA / PÓVOA DE VARZIM
De 2 a 13 de Março, o Investemais traz à Póvoa de Varzim a exposição “Euro, a Nossa Moeda”. A Casa da Juventude foi o espaço escolhido para acolher a mostra, que já esteve patente em diversas cidades portugueses, organizada pela Representação da Comissão Europeia em Portugal e pelo Centro de Informação Europe Direct de Entre Douro e Minho. Esta iniciativa pretende destacar os benefícios da existência da moeda única e as oportunidades que oferece à economia e aos cidadãos, os aspectos fundamentais do Pacto de Estabilidade e Convergência e o impacto da moeda única nos preços. A exposição é composta por vários painéis, apresentando informação sobre o processo de criação da moeda única europeia e sobre a União Económica e Monetária, bem como informação específica sobre as características das notas e moedas, de interesse para o público em geral e para as crianças e jovens em particular.
Para marcações de visitas guiadas a escolas do ensino básico e secundário deverá contactar o Investemais através do número de telefone 252 090193 ou do correio electrónico
investemais@cm-pvarzim.pt.
Relembramos que o Investemais é um serviço criado pela Câmara Municipal em 2008 com o objectivo de colaborar com as empresas locais, prestar informação sobre legislação, formalidades, apoios e contactos e estabelecer relacionamentos entre empresários e diversas entidades públicas e privadas representativas dos diversos sectores de actividade.

O Medo e a Inveja no Correntes d’Escritas – novos livros apresentados


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Entre duas mesas de debate, o Correntes d’Escritas foi casa para o lançamento de dois novos livros. O País do Medo, de Isaac Rosa, e Inveja – Mal Secreto, de Zuenir Ventura, chegaram à Póvoa pela mão da editora Planeta.
João Tordo apresentou o livro daquele que é considerado “um dos mais promissores romancistas espanhóis”, Isaac Rosa. O País do Medo, contou João tordo, “baseia-se na história de uma família, pai, mãe e filho, tendo com pano de fundo a temática do medo”. Isto porque, após o nascimento do filho, o pai viu-se a braços com o medo “de tudo o que está à sua volta”. Escrito na terceira pessoa, o livro tem, na opinião de João Tordo, um outro elemento muito curioso: a cobardia do protagonista. “O protagonista é um anti-herói, tem medo de tudo, das coisas mais mundanas”.
Explicou Isaac Rosa que com este livro pretendeu fazer um “reflexo do medo, que se converteu num elemento dominante nas sociedades, derivado dos acontecimentos do 11 de Setembro, o que levou a tempos de mudança e de crise”.
Do Brasil, Zuenir Ventura trouxe Inveja – Mal Secreto. José Carlos de Vasconcelos, na apresentação da obra, anunciou que este livro faz parte de uma colecção sobre os pecados mortais. “É sobretudo um livro sobre alguém que está a fazer um livro sobre o pecado da inveja” e, na sua escrita, o autor juntou reportagem, ficção, pesquisa e até o género policial.


“Todo o mundo tem inveja”, contou o autor brasileiro, “é um pecado que já existia no Paraíso. A inveja atinge todos os níveis, todas as classes. E começa por atingir aqueles que nos estão próximos”. Sobre a estrutura da obra, a utilização de vários géneros e até o facto de escrever sobre alguém que está a escrever sobre a inveja prendeu-se com o facto de Zuenir Ventura não ter encontrado uma personagem para o seu livro. Explicou ele que a inveja é de facto um mal secreto, que poucos assumem. “Como ia inventar uma personagem se não encontrava nenhum invejoso?”, questionou, avançando ainda que está já preparar uma nova obra, desta feita sobre a sua família.
Palco do lançamento de mais de 20 livros este ano, o Correntes d’Escritas alberga também uma Feira do Livro onde todas estas novidades podem ser adquiridas. Fica na Casa da Juventude e vale bem a pena a visita.
Para saber quais os próximos lançamentos, visite o programa do Encontro de Escritores de Expressão Ibérica no
portal municipal.

“Literatura: o esforço inédito das palavras” encerra segundo dia de debates

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De capacete e lanterna na cabeça, Manuel da Silva Ramos surpreendeu a audiência. Afinal, todos estavam ali para ouvir o debate sobre “Literatura: o esforço inédito das palavras”, moderado por Inês Pedrosa, e no qual participavam também J.J. Armas Marcelo, Luís Naves, Pablo Ramos e Paulo Kellerman.
Mas Manuel da Silva Ramos era agora mineiro, ou melhor, prospector. E na sua mina, em que já trabalha há muitos anos, “é preciso ter muita imaginação, porque há gente que diz que a mina não existe”. Mesmo assim, o escritor recusa dizer onde ela está, porque também não sabe. É que, explica ele “salto da mina para a vida e pronto”. O corredor, “cheio de material inédito”, é o corredor da “infinita emoção”. “No outro dia apanhei uma palavra de 15 quilates de emoção, era uma das mais belas palavras que já vira”, contou, descrevendo que, na sua mina, existem várias galerias: o da poesia bruta, “que não é difícil”, a galeria da política, onde “o trabalho é escravo mas o meu prazer é enorme”, a galeria da dor, onde transforma e escava “sobre a alegria que vem a seguir”, a galeria, mesmo junto à entrada, “a mais frequentada mas a mais difícil de trabalhar”, a galeria da imaginação, “que me é muito cara” e onde tem “os olhos virados para as coisas invisíveis”, a mina erudita, “a que é mais inimiga dos prospectores. Mata a mina da nossa emoção”…
Uma intervenção criativa a que se seguiu Paulo Kellerman, contista português que avançou ter chegado à conclusão que “talvez o tema esteja errado”, pois, em vez de “o esforço inédito das palavras”, prefere “esforço partilhado das palavras”. Uma alteração que remete, desde logo, para a relação entre escritor e leitor.
“As minhas histórias partem de imagens. Estas revelam indícios”, disse, tentando definir o que é escrever. “Talvez seja olhar a realidade e desmontá-la”, arriscou, acrescentando ainda que, na sua opinião, a Literatura é também a “arte da curiosidade, sobre o que somos, o que sentimos ou até sobre o que poderíamos ser e sentir”. As palavras são assim aquilo que proporciona individualidade ao escritor, “é a palavra que nos distingue”.
Pablo Ramos contou que começou a escrever ficção “por um fracasso”. De facto, nascido de uma família de músicos, cedo começou a aprender esta arte. Frustrado com os seus pobres resultados, começou a escrever um diário, mas onde descrevia o oposto da sua vida. Assim, Pablo Ramos tinha um futuro extraordinário como músico pela frente, o seu pai era rico e, em vez dos quatro irmãos que tinha na realidade, era filho único. “O que é estranho é que a minha mãe era exactamente igual. E uso todo este contexto para dizer que, para mim, não existe esforço inédito. Existe sim o enorme esforço de espírito do escritor”. Um esforço sem o qual não há Literatura, segundo Pablo Ramos. “A facilidade da palavra não é Literatura”.
J.J. Armas Marcelo já habituou o Correntes ao seu humor. Considerando este um daqueles temas em que tanto se pode dizer nada, como encher inúmeras páginas, o escritor e jornalista espanhol foi contando várias histórias, num crescendo de gargalhas que varreu o Auditório Municipal, como forma de ilustrar o quão complicada é a palavra para o escritor e também as dúvidas que a própria profissão de escritor levanta. Pior isso, quando lhe perguntaram o que fazia respondeu “O meu trabalho é discutir com as palavras”. Um trabalho que obriga a “descobrir o lado secreto das palavras”, um esforço que é marca dos grandes escritores. “Situar as palavras é o esforço de convertê-las em inédito”.


Luís Naves, “agente infiltrado”, como se identificou, atirou a pergunta “Como é que o esforço da escrita é lida pela sociedade?”, encaminhado o debate para o campo de como é que o escritor é visto. “Muito mal”, considerou, lembrando que há mais futebolistas profissionais em Portugal que escritores, uma “classe mal vista” pela sociedade. Mais do que esforço inédito, falou de “sede”, ou melhor, do que considera ser importante para o escritor, apontado logo as vivências. “Os escritores vão melhorando ao longo do tempo, porque as vivências transforma as pessoas. Dou também muita importância à realidade, porque é muito complicada”, afirmou, pois, considera, “se não vivermos as coisas não podemos escrever sobre elas”.
Correntes d’Escritas continua amanhã os debates com uma mesa de manhã, às
10h30, e outras duas à tarde, às 15h00 e às 17h30.
Para saber mais pormenores, visite o portal municipal em
www.cm-pvarzim.pt

Três novos projectos apresentados no Correntes d'Escritas

Ler por aí…

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Uma das novidades desta 11ª edição do Correntes d'Escritas é o espaço para apresentação de novos projectos. Ontem à noite, no Axis Vermar, o público ficou a conhecer Ler por aí…; O Rato da Europa e PNETliteratura. Margarida Branco é a autora do sítio electrónico Ler por aí… Um espaço com sugestões de leitura nos lugares das histórias. Ao ler um livro cujo cenário é o lugar em que se está, esse lugar ganha vida, povoa-se das personagens da história e testemunhamos o desenrolar da acção com os nossos cinco sentidos. A intimidade com as personagens cresce para nunca mais as esquecermos. É isto Ler por aí... Pretende dar informação sobre que livro ou livros Ler por aí..., ou seja, levar para ler quando se viaja ou passeia (antes, durante, depois). Margarida Branco explicou que “quando procuramos informações sobre um local encontramos dados sobre onde dormir, onde comer, o que fazer, mas nunca o que ler”.

PNETliteratura

O PNETliteratura existe desde 2008. Vários escritores de língua portuguesa colaboram no sítio electrónico regularmente, como é o caso de Gonçalo M. Tavares, Almeida Faria, Casimiro de Brito, Vasco Graça Moura, valter hugo mãe, Manuela Degerine, Ondjaki (de Angola), Nelson Saúte (de Moçambique) e Patrícia Melo, Carlos Pessa Rosa e Eustáquio Gomes (Brasil).
Uma vasta rede de correspondentes vai, de modo contínuo, e com grande regularidade, dando conta de eventos literários relevantes. Kátia Gerlach, em Nova Iorque, Vanessa Godinho, em Luanda, Ana Maria Delgado, em Washington DC, Manuela Degerine, em Paris, Sílvia Chueire, no Rio de Janeiro e Susana Leite, em Leipzig.
A par das áreas fundamentais abraçadas pelo PNETliteratura e das secções específicas de informação ("Curtas & Eventos"), são ainda de realçar o Literanário (que permite acolher jovens escritores e novas escritas), rubricas como as Mini-entrevistas, Destaques na rede, as Pré-publicações e o Folhetim dos fins-de-semana, para além dos Dossiês Especiais e de secções ligadas à Literatura Popular. O sítio conta com a visita diária de 1500 cibernautas e recomenda-se.
O Rato da Europa



Finalmente, foi apresentado o projecto O Rato da Europa, uma colecção de textos inéditos, editada pela Pé de Mosca, onde se desenvolverá, através dos mais variados géneros, ângulos de abordagem e pontos de vista, uma reflexão alargada sobre o binómio Portugal/Europa. Boomerang, de Pedro Eiras, é o primeiro número da colecção, recentemente publicado, correspondendo a um conjunto de 27 postais sobre representações da Europa na literatura portuguesa dos séculos XIX a XXI. Os próximos números, a lançar brevemente, serão da autoria de Régis Salado, que tratará das representações de Portugal na literatura europeia, e de Regina Guimarães. O Rato da Europa espera, assim, poder contribuir para repensar a tradição do velho continente, numa época em que urge debater os futuros da União Europeia.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Correntes d’Escritas – exibição de documentários, às 21h45


Infopóvoa / Póvoa de Varzim
O cinema também faz parte da programação do Correntes d’Escritas e hoje pelas 21h45 serão exibidos dois documentários, no Auditório Municipal, “Toma lá do O’Neill”, de Fernando Lopes e “José Cardoso Pires – livro de bordo”, de Manuel Mozos.
“Toma lá do O’Neill” é um tributo pessoal e não uma biografia, muito menos uma análise crítica da obra poética de Alexandre O’Neill. Isso está feito e refeito. Trata-se, sobretudo, das vivências criativas, sentimentais e afectivas de um poeta, um dos maiores do nosso século XX.
Rodado em Lisboa e na Costa da Caparica no Outono e Inverno de 1997, “José Cardoso Pires – livro de bordo” trata temas como a vida e a escrita, o cinema, o erotismo e a morte. No ano em que José Cardoso Pires recebeu o Prémio Pessoa, o mais prestigiado prémio português, Manuel Mozos filmou o retrato daquele que foi um dos grandes autores de língua portuguesa.
Cada filme tem a duração de 52 minutos e o custo dos bilhetes é de 4 euros para o público em geral e 2 euros para sócios.
Esta sessão cinematográfica é organizada pelo Cineclube Octopus, associação cultural poveira que apoia o Correntes d’Escritas, e com a qual a Câmara Municipal estabeleceu um protocolo de colaboração criando-se, desta forma, as condições necessárias para uma abordagem permanente do fenómeno cinematográfico de uma perspectiva estritamente cultural.
No
portal municipal, pode acompanhar diariamente o Correntes d’Escritas e ficar a conhecer toda a programação do evento.


Versos de Alberto Caeiro em debate na 3ª mesa do Correntes d’Escritas, esta tarde

Infopóvoa / Póvoa de Varzim
“Passo e fico, como o Universo” foi o verso de Alberto Caeiro que deu mote à 3ª mesa que decorreu esta tarde no Auditório Municipal e reuniu Bernardo Carvalho, Germano Almeida, Isaac Rosa, João Tordo e Tânia Ganho e teve como moderador Carlos Vaz Marques.
Para Tânia Ganho, “O livro é uma parte de mim. Enquanto o objecto durar, eu fico.”, afirmou a escritora partilhando com o público que um dos momentos mais importantes da sua vida aconteceu no lançamento do seu primeiro livro quando uma rapariga de 19 anos lhe disse que o livro tinha mudado a sua vida. A escritora e tradutora considera que “os livros são vidas que se agarram a nós” e cada livro que publica é uma parte da sua vida que passa. À pergunta “Porquê que escreve?”, Tânia Ganho revelou que nunca teve uma resposta para ela pois “escrevo desde que sei escrever e escrevo porque é a minha maneira de estar. Tento escrever aquilo que quero, com convicção.” acrescentando que “escrever é uma espécie de esquizofrenia”. “Escrever é um pouco como ser encenador e actor” porque o acto de escrever implica pôr em palco uma acção e, simultaneamente, criar personagens e encarná-las, concluiu Tânia Ganho.
A propósito de outra passagem do mesmo poema de Caeiro que diz “Esse é o destino dos versos./ Escrevi-os e devo mostrá-los a todos”, João Tordo considera que hoje em dia vivemos numa dicotomia entre o escritor que não se quer mostrar e aquele que escreve para os leitores e esta marca a diferença entre literatura erudita e literatura comercial. O escritor encara como uma falácia os escritores que rejeitam o sucesso e dizem que escrevem para si próprios. E recorrendo a outros versos do mesmo poema “Quem sabe quem os terá?/ Quem sabe a que mãos irão?”, João Tordo referiu que estes exprimem a alegria e drama de quem escreve pois “a ambição do romancista é mudar o ponto de vista de quem lê”. O escritor expressou que o poema de Alberto Caeiro remete para a interioridade de quem escreve e disse que “os livros deixam de ser nossos quando são publicados mas também são nossos porque resgatamos as pessoas ou personagens da morte mantendo-as nas nossas páginas”. João Tordo terminou dizendo que a literatura é parte de uma raiz que é a “raiz do mal”, à qual se submete e “sinto-me quase alegre”.
À semelhança de João Tordo, Isaac Rosa também escolheu o verso “Quem sabe quem os terá?” para reflectir sobre quem são os destinatários daquilo que o escritor produz. “Os poetas têm destinatários porque podem dedicar os seus versos a quem entenderem mas os romancistas, normalmente, não pensam nos destinatários porque escrevem para si mesmos e alguns pensam nos compradores de livros” afirmou o escritor espanhol. Como leitor, Isaac Rosa considera que ao ler um romance pensa que o autor não sabe que ele existe e isto preocupa-o enquanto escritor porque reconhece que existe um leitor inteligente. “Os meus romances nascem da consciência de que existem leitores inteligentes, que têm uma participação no livro” declarou o escritor manifestando o seu sentido de responsabilidade “tento ter uma escrita responsável. O escritor deve ser consciente”.
Para Bernardo Coelho, toda a produção artística e literária é feita com a consciência de que “passa e não fica”, ou seja, tem uma opinião contrária àquela que o verso exprime “Passo e fico”. O escritor considera que o poema de Alberto Caeiro associa o poeta à natureza, encarando o poema como uma paisagem, com naturalidade, ideia que para si é terrível pois “literatura é singularidade, é limite”.

Começando por referir o embaraço em abordar o verso de Caeiro, que aliás foi comum a todos os escritores da mesa, Germano Almeida decidiu encará-lo como uma questão “Passo ou fico?” à qual responde “Não acredito que passo e fico.”. O escritor revelou que não acredita na imortalidade e referiu que através da escrita estabelece uma relação de divertimento com os leitores que lhe pedem para escrever porque precisam de dar umas gargalhadas. “Escrevo para me divertir e se me divertindo divirto os leitores, é uma enorme satisfação” conclui Germano Almeida que confessou que “Só escrevo quando me apetece escrever, quando tenho uma história para contar e descobri a forma como a escrever. Se tenho uma história conto, se não tenho não me ralo”.

Chega de Fado e Histórias do Barco da Velha lançados no final da manhã


Infopóvoa / Póvoa de Varzim
A manhã do segundo dia do Correntes d'Escritas terminou com a apresentação, na Casa da Juventude, de Chega de Fado, de Paulo Kellerman, e Histórias do Barco da Velha, de Pedro Teixeira Neves.
Paulo Kellerman participa no Encontro de Escritores pela primeira vez. Afirma que escolheu uma “estranha forma de literatura: sou contista”, assume. Neste livro “coloco questões. Questiono as minhas certezas e pretendo que o leitor questione as suas”. O autor define esta obra como sendo “um catálogo de possibilidades, de alternativas”. “Escrevo sobre os relacionamentos humanos” e quanto às vinte personagens que Paulo Kellerman criou para este livro “caracterizam as faltas de investimento nas relações, o conformismo, a apatia”, explicou o autor. Nasce, assim, uma radiografia desapaixonada e incisiva do quotidiano, um retrato cru dos gestos e dos silêncios, das banalidades e das frustrações, das esperanças e dos secretismos que atravessam as relações e caracterizam a precariedade e imprevisibilidade dos comportamentos e sentimentos de todos nós. Mas, a certa altura, as personagens têm vontade de gritar “chega desta lamúria, Chega de Fado”.
Pedro Teixeira Neves escreveu e Rute Reimão ilustrou. Histórias do Barco da Velha é um livro infantil onde as personagens vivem situações bizarras. Para o autor, o resultado final é “fantástico. O livro merece esta dignidade. O trabalho da Rute parece que quer sair do papel e a conjugação entre a escrita e a ilustração tornam os livros infantis pequenas obras de arte”. Pedro Teixeira Neves confessou que “se para mim, que sou daltónico e vejo o mundo todo verde, o trabalho da Rute está incrível, imagino para vocês”.
Rute Reimão contou que “adoro sujar as mãos. Apesar de trabalhar com o computador diariamente, pois também sou designer gráfica, recuso-me a fazer ilustrações no computador”. A ilustradora comentou que “o meu ateliê parece um ferro-velho, mas ainda sem o ferro. Estou sempre à procura de botões, de rendas, de novos materiais para os livros”.
Os lançamentos no Correntes d'Escritas continuam hoje à tarde, às 17h00, na Casa da Juventude, com Isaac Rosa, com O País do Medo, e Zuenir Ventura, com Inveja – Mal Secreto”.

Pedra, palavra, verso, poema na segunda mesa de debate

Infopóvoa / Póvoa de Varzim
Pedra a pedra, constrói-se a poesia. Este foi o tema de mesa de debate desta manhã, no Auditório Municipal, e que contou com as intervenções de Manuel Rui, Maria Teresa Horta, Pedro Teixeira Neves, Rosa Alice Branco, Tiago Gomes e com José Carlos de Vasconcelos na moderação.
Dedicando o seu texto ao povo madeirense, Manuel Rui considera que “as palavras também sofrem como as colinas que se fazem explodir, para se diminuírem pedra a pedra”, transformando-se numa “estátua de palavras mudas”. “Também ficam operárias como as mãos, pedra a pedra, na arte anónima das calçadas, para pisar, palavra a palavra”, dizendo, no entanto, que “nunca terei arte para lapidar uma pedra preciosa. Mas sei tocar, pedra a pedra, as pedras que tenho nas mãos e nos sonhos”.
Para Maria Teresa Horta não é só pedra a pedra que se constrói a poesia. É também corpo a corpo “sedução e pose, discurso do desejo a seduzir as palavras”, rigor a rigor, musa a musa, avidez a avidez, insubordinação a insubordinação, “cuidando de desmanchar as regras dos poemas, as imposições, as disciplinas”. Defendendo que “a escrita nunca esquece, nunca redime nem sublima”, Maria Teresa Horta terminou a sua intervenção dizendo que “aí, onde tu estás, é o começo da escrita”.
Seguiu-se Pedro Teixeira Neves, que também dedicou o seu texto à Madeira, ou não fosse a sua família de lá e ele tivesse nascido no continente “por acaso”. O escritor e jornalista tratou de apontar as várias semelhanças e diferenças entre pedra e poesia. “O poeta monumenta as emoções, por isso há poemas e livros que se confundem com catedrais”. Considera ainda que o poeta é um pedreiro “cujas pedras traz no peito” mas, como referiu, não convém que “transforme o poema num muro de lamentações”. Tal como as pedras, os poemas também corrompem e magoam. “Com pedras constroem-se casas, com poemas constroem-se abrigos”, acrescentou, considerando ainda, nesta relação de aproximação entre pedra e poema que, “com uma pedra pouco podemos, com uma palavra podemos muito mais”.
Mas nem tudo são semelhanças. De facto, e ao contrário dos poemas, as pedras não amadurecem, não surgem do nada, não fingem. Os poetas são impacientes, a poesia tem identidade. E existem pedras raras “mas os grandes poetas muito mais raros são”. Não podemos viver sem poesia, mas há quem pareça “conseguir viver sem poesia”. E se uma pedra é apenas uma pedra, “a poesia é sempre mais do que aquilo que parece ser”.

Rosa Alice Branco apoiou-se numa “extraordinária”dissertação de Vítor Hugo sobre a arquitectura como o grande livro da Humanidade. “Ao falar da arquitectura como arte soberana, Vítor Hugo declara que toda a História dos Homens, durante muito tempo, se pode ler nesta arte feita de pedra”. Assim, e à semelhança da escrita, também a arquitectura “se iniciou com letras, ou seja, o Homem começou a aprender a usar o alfabeto de pedra”. “Eu quando escrevo poemas é porque amo as palavras”, justificou, “o modo inusitado como tudo muda quando as palavras se juntam em versos e quando de verso em verso, pedra a pedra, todas se conjugam num poema”. E um poema só é poema, ou seja, as pedras estão no lugar quando, como explicou, “nada foge ao ritmo do corpo, debruçado à janela das palavras”.
Estreante no Correntes d’Esxcritas, tal como Rosa Alice Branco, Tiago Gomes confessou que pouco tempo teve para “alinhavar umas pedrinhas”. Sobre o tema, considerou que, no seu caso, “pedra a pedra também se desconstrói e destrói a poesia. Disse-me a Lídia Jorge há 20 anos atrás que a poesia devia ser burilada, trabalhada, esculpida”. E por isso leu um texto, “O Uso das Palavras”, de Nathalie Sarraute, de forma a ilustrar o efeito que as palavras têm quando aparecem.
Um pouco afastado da literatura, tem trabalhado “nas palavras ditas. Faço letras para bandas rock. Estou a tentar educar os músicos, que às vezes são um pouco bárbaros mas que também gostam de poesia”.