sábado, 28 de novembro de 2009

Contar histórias, fazer justiça – Luandino Vieira apresentou livro na Póvoa de Varzim

Da esquerda para a direita: Zeferino Coelho, Luandino Vieira e Luís Diamantino

Infopóvoa / Póvoa de Varzim
“Escrevo muito lentamente, não escrevo por ofício, mas também não tenho dores de criação. Quando vejo que não dá, não dá e faço outra coisa qualquer. Se estiver sol, é para mim um bom motivo para ir passear para a rua. Se não estiver sol, é bom motivo para ficar em casa e ler o que os outros escrevem”.
E assim José Luandino Vieira resumiu a forma como encara a escrita, ontem, no Diana Bar, na apresentação da sua mais recente obra O Livro dos Guerrilheiros. “Em vós vejo os pouco mas fiéis leitores que tenho em Portugal”, disse, dirigindo-se à assistência. “Fiquei longos anos em silêncio, desmerecendo os leitores que tenho. Agradeço a todos os que ao longo destes anos se mantiveram com paciência e coragem para ler o pouco que fui escrevendo este tempo todo”.
Silêncio que foi quebrado na Póvoa de Varzim. “Andei décadas a esquivar-me desse momento e foi aqui, no Correntes d’Escritas, que voltei às publicações do que já tinha feito e encarei de uma forma mais séria o meu dever”, explicou. E agora surge O Livro dos Guerrilheiros, segunda obra de uma trilogia, De Rios Velhos e Guerrilheiros, iniciada com O Livro dos Rios.
“Parte mal disfarçada de um romance que tive preguiça de terminar”, O Livro dos Guerrilheiros é um conjunto de narrativas acerca de sete guerrilheiros que compõem uma coluna, em plena guerra pela independência de Angola. “Escrevi este livro para fazer justiça aos guerrilheiros angolanos, não aos heróis. É para fazer justiça aos jovens, às mulheres, às crianças, que foram apanhados no vórtice da guerra e deram tudo o que tinham, inclusive a vida”, defendeu. “Não é que eles tivessem sido esquecidos, até porque não fizeram o que fizeram para serem lembrados. São os valores que estão esquecidos”, explicou o autor para quem é impossível escrever “sem que me doa. Quando me começa a doer, começo a escrever”.
Inspirando-se em Almeida Garrett , para descrever a riqueza das paisagens africanas, Luandino Vieira foi também buscar ensinamentos a Fernão Lopes – “ensinou-me como contar a história através de pequenas histórias. E como se contam histórias? É ir entortando a história de maneira a que, não deixando de ser história, passe a ser histórias”.

Agora, Luandino Vieira prepara-se para fazer justiça à mulher angolana, nunca retratada na literatura, no terceiro livro da trilogia que, avançou, se irá chamar Ela e os Velhos.
Ao lado de Luandino Vieira, Zeferino Coelho, da editora Caminho, explicou que a sua relação com o escritor teve, na Póvoa de Varzim, “um nó decisivo” porque foi durante o Correntes d’Escritas que o editor “namorou” o escritor para que publicasse pela Caminho. Até que, numa edição do Encontro de Escritores de Expressão Ibércia, Luandino Vieira entregou um conjunto de papéis a Zeferino Coelho para que lesse. “Era Nosso Musseque”, desvendou o editor e, numa altura em que até a literatura começa a ser instantânea, “este homem tem este livro extraordinário, assim”.
Esta relação com o Correntes d’Escritas não foi esquecida por Luís Diamantino, Vereador do Pelouro da Cultura. “É um prazer estar com um escritor que também aqui está como um amigo da Póvoa”, avançou, partilhando com a assistência as sensações que o invadiram com a leitura de O Livro dos Guerrilheiros. “Provocou-me uma sensação contínua de dor. Recebi alguns murros a ler, e quando me levantava, parecia que caía outra vez. Foi um diálogo difícil com a narrativa, mas é uma narrativa muito forte”, descreveu.

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